segunda-feira, 29 de setembro de 2014

JORGE PIEIRO | Ante a busca do que se tarda



Não é fácil ao ser humano conviver com uma causa que, à revelia, o eleva à condição de guardião ou legítimo representante. Diante de todas as ocorrências mundanas, o desvario, a inconseqüência, o oportunismo e o equívoco parecem tomar lugar de destaque nas vitrinas. Aos curiosos passantes, fica apenas um reflexo dos brilhos falsos. Daí, a reprodução de modelos e o surgimento de modismos é inevitável, infelizmente.
Quando se trata de poesia - esse gênero sempre em ebulição, congestionador do pensamento, tão reproduzido e decantado, e também tão fustigado por mentes pródigas - a evidência desses efeitos é estarrecedora. As conseqüências, então funestas, revelam deformações, na maioria das vezes, reparáveis apenas com muita paciência, persistência e dedicação.
Se, no Brasil de tantos poetas, a poesia se multiplica em rios de muitos afluentes, deixando o pobre leitor - quando há - à mercê de correntes e contracorrentes, imaginem a desinformação que paira sobre esse mundo, a um só tempo, sem fronteiras e (im)perceptivelmente marginalizado. Não é à toa que enormes catedrais se erigem e fazem ecoar suas doutrinas, seus credos, instigando adeptos a se concentrarem nos limites do próprio umbigo.
Expandindo esse ponto de vista, o que se poderia ainda dizer a respeito do (des)conhecimento de um momento pleno do pensamento universal, equivocadamente reduzido a acidente de comportamento estético dentro dessa estafante modernidade - o Surrealismo -, e, extrapolando, sobre a indigência desse conceito dentro da história da poesia brasileira e, exponencialmente, a partir dos limites da América Hispânica?
Para resumir essas idéias, exemplificando-as, eis o que o ensaísta, crítico e poeta cearense Floriano Martins, apresenta ao leitor brasileiro: O começo da busca - O surrealismo na poesia da América Latina, obra que demarca um breve acesso à desconhecida história da literatura hispano-americana, amparada por uma dosagem crítica. A obra vem a lume como parte integrante da Coleção Ensaios Transversais, publicada pela Escrituras Editora, de São Paulo.
Como dedicado pesquisador de poesia, o autor de Escritura Conquistada - Diálogos com poetas latino-americanos (Letra e Música/ UMC/ Biblioteca Nacional, 1998) -, apresenta neste O começo..., uma primeira parte, em que extenso estudo introdutório defende idéias, tais como, a de que ''não se pode situar o Surrealismo eclodido na América Hispânica como imitação ou mero reflexo da corrente parisiense'', ou que ''o leitor brasileiro pouco ou nada conhece acerca da poesia hispano-americana'', ou ainda que, sem querer discutir sobre uma já desgastada e nunca esclarecida questão, acaba confirmando a presença do Surrealismo no Brasil, como bem defende o poeta Sérgio Lima.
A segunda parte do estudo, dá acesso a uma antologia dos poetas Aldo Pellegrini e Enrique Molina (Argentina); César Moro e Emilio Adolfo Westphalen (Peru); Octavio Paz (México); Enrique Gómez-Correa e Ludwig Zeller (Chile); Juan Sánchez Peláez e Juan Calzadilla (Venezuela); Roberto Piva e Sérgio Lima (Brasil); e Raúl Henao (Colômbia), numa amostragem da poesia visceral produzida ao longo do século XX. Trechos de depoimentos antecedem cada bloco de poemas, tudo em tradução do organizador.
A última parte, destaca entrevistas com Roberto Piva e Sérgio Lima (Brasil), Ángel Pariente (crítico espanhol), Francisco Madariaga e Enrique Molina (Argentina), como respaldo às conclusões do pesquisador.
Não cabe aqui discutir as aparências ou a verdade indesejada por muitos críticos literários. O começo da busca, em sentido contrário ao historicismo protagonizado por Octavio Paz sobre o Surrealismo na América, em sua obra La búsqueda del comienzo, é um resgate, ainda que tardio e acanhado - por razões mercantilistas? -, de uma das vertentes mais polêmicas da história literária contemporânea. Aderindo ao pensamento do autor, o Surrealismo, apesar das contradições e dos equívocos, ainda é a ''instância maior da poesia em nosso tempo''. As evidências de continuidade e renovação do movimento fora do âmbito parisiense, no passado, não podem ser desprezadas.
Pouco a pouco, ilumina-se a face obscura dessa vertente da poesia, muitas vezes vilipendiada no Brasil, conseqüência, não menos da rejeição dos críticos, mas da sonegação de uma verdade, fruto de antidemocráticas ações voltadas apenas para vaidades aparentes. Esta outra face da moeda, diga-se de passagem, pode fazer o pesquisador correr riscos, caso ele opte pela radicalização do pensamento, descambando para o mesmo engano de outros guardiões, ao protegerem seus credos e doutrinas.
No entanto, ao defender um fundamento, O começo da busca acaba insinuando e realçando as palavras de Emilio Adolfo Westphalen, para quem ''em poesia não há fórmulas de aplicação assegurada e é vã toda 'poética'''. Ou confirmando as palavras de Zeller: ''Eu estimo que os poetas temos uma essência comum em que a maior parte das vezes coincidimos: nem é tão consciente Valéry, nem são tão instintivos os surrealistas. Há um meio termo que permite valorizar melhor ambas as tendências. Além do mais, é sempre mais válido o resultado do fazer poético que qualquer teoria que posteriormente se torne rígida.''
Assim, dá-se a defesa de uma causa, apesar dos empecilhos e do tempo que se tarda.

[2002]

[Jornal O Povo, caderno Vida & Arte, Fortaleza, 26/03/2002]




RODRIGO PETRONIO | Floriano Martins e o mergulho em todas as águas



A verdade é que todos querem ser Deus. E cada vez me parece que a grande tradição poética é consubstanciada por quem se recusa a sê-lo.
Floriano Martins

Se a inteligência de um homem é proporcional à sua capacidade de estabelecer recusas, ao conversar com o cearense Floriano Martins tem-se a nítida sensação de estar diante de um homem muito bem dotado dessa faculdade tão mal distribuída entre os seres humanos, sobretudo entre os intelectuais. Autor do livro de poemas Alma em Chamas, certamente um dos acontecimentos poéticos das últimas décadas, e de uma obra volumosa que abrange ensaios, crítica, tradução e entrevistas com poetas, além de uma série de inéditos, Floriano é um dos maiores conhecedores da poesia latino-americana moderna e contemporânea entre nós, e vem fazendo pontes das mais estimulantes entre essas literaturas e o Brasil. Mas, para nossa surpresa, é uma voz solitária e praticamente isolada em sua proposta. Pela importância e amplitude desse trabalho, veiculado sobretudo nas revistas virtuais Agulha e Banda Hispânica, das quais é editor, assusta sabermos que ele não tenha maior repercussão. Também é de se estranhar que algumas poéticas e estéticas como o Surrealismo, por exemplo, de grande penetração no resto da América e do mundo, não tenha encontrado acolhida em terras brasileiras. E Floriano, para reparar esse lapso e historiar o desenvolvimento do movimento lançado por Breton em Paris em 1921, publicou recentemente o livro O Começo da Busca – O Surrealismo na poesia da América Latina, que traça um perfil histórico dessa estética, emulando e invertendo o título de um livro onde Octavio Paz faz esforço similar, La Búsqueda del Comienzo. Agora prepara o segundo volume desse trabalho, que virá aprofundar, desenvolver e complementar alguns aspectos do primeiro.
São múltiplas as causas da negligência brasileira para com a cultura de seus vizinhos e da nossa resistência a um tipo de representação artística que ele crê das mais subversivas. E é entrando nesses assuntos que a conversa esquenta, e Floriano só falta soltar fogo pelas ventas. Um dos principais motivos dessa barreira brasileira é o que ele chama de “falseamento da história”. Segundo ele, todo corte brusco e abrupto na história produz uma falsificação, pois apaga a multiplicidade do fenômeno no momento em que ele estava ocorrendo. Assim, a eleição da Semana de 22 como o ingresso do Brasil na modernidade, embora seja um fator aparentemente irreversível, não dá conta da diversidade dos fatos e equivale à “leitura do curso das águas em uma lagoa”. Muita coisa se perdeu nesse processo, e a extensa documentação sobre cantos populares colhida por Alberto Nepomuceno, por exemplo, intelectual morto em 1920, anterior portanto à Semana, e de quem Floriano escreveu uma biografia, foi praticamente esquecida em proveito das pesquisas de Mario de Andrade. Por outro lado, o Modernismo teria inaugurado um “regime de exceção”, por meio do qual convalidou seu ideal de modernidade e de nacionalismo imbuído do Futurismo de Marinetti, e a partir do qual passou a criar os critérios eletivos para a formação do cânone literário no Brasil, critérios esses nem sempre de ordem estética, mas meramente ideológicos. E aqui entra o Surrealismo, mais especificamente os argumentos que Floriano desenvolve em O Começo da Busca, e a defesa de duas diretrizes: uma reavaliação urgente do lugar que Murilo Mendes e Jorge de Lima ocupam no cenário da literatura brasileira, instigando a crítica a desvinculá-los de vez dos estigmas limitadores da “poesia em Cristo”, e a recusa desses dois poetas como sendo os únicos representantes do Surrealismo no Brasil, aos quais Floriano soma os nomes de Roberto Piva, Claudio Willer e Sergio Lima, entre outros.
Essas faces se conciliam, no entanto. E ele faz um traçado oblíquo onde procura demonstrar as lacunas do cânone literário brasileiro, articulando-as à história do Surrealismo e a uma série de poetas hispano-americanos desconhecidos por nós. Suas reivindicações são duras, passam longe da fala amaneirada e adiposa com a qual viemos nos acostumando nos últimos tempos no âmbito do debate literário. Assim, ele começa julgando que mesmo a trinca de ases que gozam de prestígio em língua portuguesa – Paz, Neruda e Borges – deveria ser filtrada com maior seletividade e analisada de forma mais consequente. Porque Octavio Paz, que “sempre foi crítico da realidade que tinha à sua volta”, com o tempo começou a deixar de sê-lo, e, como poeta, acabou se “cristalizando bastante cedo”. Neruda pôs em cena o seu ego monumental para a criação de suas obras “cosmogônicas”, mas não conseguiu levar sua empreitada muito adiante, e Borges, segundo Floriano, é um grande “fabulista”, um homem dono de uma grande capacidade de fazer de si o centro do mundo e de criar mundos possíveis, mas que, como poeta, faz valer as palavras do crítico Gerardo Deniz, sendo muitas vezes “previsível e enfadonho”. 
Nesse diapasão de leitura crítica, para Floriano, não só o nosso desconhecimento da literatura hispânica é aviltante, como o que conhecemos é muitas vezes referendado sem muito rigor e absorvido de forma um tanto epidérmica. E um caso onde essa distorção se dá de maneira mais aguda é no que diz respeito ao cubano Lezama Lima, um dos seus autores prediletos, mas cujo caráter algo “enciclopédico” de sua obra e sua reivindicação de uma estética autóctone por intermédio da figura do Señor Barroco, presente em um dos seus ensaios, acabaram sendo apropriados pela estética Neobarroca de Severo Sarduy e pelo Neobarroso do argentino Nestor Perlonguer, que fizeram uma leitura distorcida do grande poeta, autor de Dador. E nesse ponto Floriano parece dar as cartas da tradição poética que realmente lhe interessa. Segundo ele, todos esses autores tentaram, cada um à sua maneira, “ser Deus”. E que cada vez mais lhe “parece que a grande tradição poética é consubstanciada por quem se recusa a sê-lo” – arremata. É assim que trava o seu pacto luciferino com o anti-cânone das letras hispânicas, ou pelo menos com o lado menos óbvio do mapa dessa cultura, e fala de suas predileções, como o poeta venezuelano José Antonio Ramos Sucre, que “se matou por não suportar mais a presença de visões que lhe assombravam a existência” e não vivia “em um plano literário, mas sim na mesma dimensão excessiva de um Artaud”. Faz uma menção especial aos poetas do Chile, cuja “vertente múltipla encontra em Pablo de Rokha, Rosamel del Valle e Humberto Díaz-Casanueva uma fonte de renovação que não desconsidera o autóctone e se manifesta no diálogo com a Europa”. Já no colombiano León de Greiff, “encontramos o mais surpreendente caso de polifonia na tradição poética latino-americana”, enquanto o guatemalteco Luiz Cardoza y Aragón “soube buscar na algazarra da modernidade uma voz que fosse a soma de todas”. Floriano ainda repassa o nome do nicaraguense Pablo Antonio Cuadra, que, assim como Lezama Lima e Octavio Paz, foi um dos autores pioneiros nas leituras que têm como objetivo uma definição cultural da América, e que “estabeleceu uma nova relação com o mito”.
Claro que essa dificuldade de penetração do Surrealismo no Brasil não se deve apenas a um fator ocasional e à formação do cânone. Deita raízes em uma longa tradição positivista, que se espraia em uma série de esferas da vida social e intelectual e bloqueia qualquer iniciativa de subversão de seus postulados. Para Floriano, nossa história é marcada tanto pelo peso de teorias cientificistas, no pior sentido desta palavra, quanto por certa “chaga cristã”, que, por exemplo, obstou uma efetiva “explosão do ser” nas obras de Murilo Mendes e Jorge de Lima, tornando-os fraturados e divididos em suas consciências entre a aspiração a uma liberdade total e os limites motivados pelo pecado e pela negação católica, e, portanto, incapazes de levar às últimas consequências a proposta Surrealista como ela de fato o foi em outros países. Já o caráter cientificista das teorias positivas, que encontrou ambiente fértil no Brasil, estimulou uma relação cada vez mais imanente e estrutural com a linguagem poética, a ponto mesmo de desvinculá-la da matéria vital que lhe origina e transformá-la em um arranjo de signos, “apartada da realidade”. Na ótica de Floriano são mais ou menos esses os ingredientes de um novo falseamento da história, levado a cabo pelo Concretismo.  E mais uma vez, em 1956, com o Plano Piloto da Poesia Concreta e tudo o que adveio daí, temos um recorte “fabricado” da história e um novo “regime de exceção”. Se o “afazer” poético se torna uma forma de “afasia”, e ao invés de construirmos uma linguagem que plasme e transfigure todas as dimensões do mundo e todas as camadas da realidade nós nos isolamos nela como nefelibatas em suas torres de marfim, sob a desculpa de só assim podermos conquistar aquela autonomia da linguagem poética inaugurada pela arte moderna, então rompemos todos os vínculos entre o pensamento e a ação, e todo o projeto de criar uma arte inclusiva e de valor rigorosamente continental vai pelos ares.
O interessante é que Floriano, em um dos seus livros, Fogo nas Cartas, defende a tese de que a poesia, mesmo sendo “intransitiva”, é filha da “alteridade”. Sua visão é de que poesia e política se complementam, assim como a reversibilidade do imaginário e do real pode gerar novos horizontes, novos focos de luz que podem incidir e transfigurar a face da realidade que se nos apresenta. Assim, a chamada autonomia não é algo que se esgota na linguagem, tomada em si mesma, composta a partir de regras intrínsecas e em oposição ao mundo, nem algo que deve servir de veículo ou instrumento de transformação desse mesmo mundo, porque senão ela seria política sem ser poética, mas um misto dos dois. E é nesses termos que ele se refere a alguns dos poetas brasileiros como “autistas”: crêem que a autonomia nasce de um “idioleto”, de uma fala exclusiva criada por eles mesmos ou pela manipulação da linguagem em uma dicção especial e especiosa que por ventura tenham encontrado. Pelo contrário, Floriano diz que a autonomia do poeta só nasce no momento em que ele “mergulha em todas as águas”, e sente sua voz a tal ponto madura que pode com ela e nela plasmar e encarnar a realidade que o circunda, não apenas descrevendo-a ou manipulando técnicas, mas penetrando verticalmente o mistério Ser e o seu devir.
Essas considerações ganham uma dimensão muito ampla se pensarmos na história de nossa mentalidade e nas estruturas hegemônicas do pensamento no Brasil. Basta lembrar que boa parte da nossa poesia e da nossa crítica literária atual flertou ou ainda hoje mantém vínculos fortes com a vertente Estruturalista, com a semiologia ou com as escolas mais recentes dos desconstrucionistas, como a de Derrida, por exemplo, que pregam um recorte poético sincrônico e atemporal, onde a poesia pairasse incólume, livre das contingências e cristalizada sob a forma de um puro enunciado discursivo. É claro que de novo isso não tem nada, e já está na antiguidade: o velho filósofo grego Crates, da escola cética, também propôs que a verdade era inacessível, porque tudo era fruto de artimanhas da linguagem. Com a diferença que Crates, de posse dessa mazela existencial, foi viver com os cães, dormir em um barril, ter seu corpo forrado de pústulas e se alimentar exclusivamente de tremoços, revelando no mínimo mais coerência e honestidade intelectual do que os nossos novos céticos, que usam toga universitária e falam francês.
Por outro lado, há uma outra tradição intelectual brasileira que procura dar fundamentos ontológicos à história, e é movida por uma busca romântica frenética de Nacionalidade e da essência nacional que nos constitui, busca essa que, malgrado ser frenética e muitas vezes proceder por meios tão equivocados quanto o mérito intelectual daqueles que a exercem, até que poderia ser de bom talante, caso não desprezasse os meios em benefício dos fins. Em resumo, no meio-fio entre essas duas correntes do pensamento, somos marcados por uma história intelectual cuja chaga, para além de cristã, parece vir coroada pelo dilema infinito e pela disputa maniqueísta entre duas forças que funcionam como a mesma simetria de um céu e um inferno: Forma versus Conteúdo. Haja vista que mesmo as variantes desses termos partem deles, ora invertendo seus postulados ora os embaralhando, sem contudo dar um passo sequer além da pobreza dessa descrição de mundo. E penso aqui na Antropofagia de Oswald de Andrade, que pretendeu eleger a “forma brasileira” de ser, e no Concretismo, que “fez da forma um conteúdo”, como um caranguejo que se crê revolucionário por ter decidido andar para frente. O fato é que, para qualquer pessoa inteligente, ambas não passam de um purgatório, e o que esperamos é uma redenção, não um aprofundamento de nossa própria esquizofrenia.
O “mergulho em todas as águas” de que nos fala Floriano Martins é providencial e significativo. Aliado à perspectiva continental de sua visagem literária e ao caráter libertário do Surrealismo, sinaliza que ainda há muita água para correr pelo rio de Heráclito, muitas barragens a serem estouradas e muitas lagoas onde os sapos de ontem, sempre os mesmos, ainda coaxam, a serem arrebentadas pela fúria de seu devir que há de explodir em um futuro próximo, segundo carta de Pierre Naville que Floriano Martins cita. Quem sabe assim a dualidade do bem e do mal seja superada e possamos enfim auscultar a unidade parmenídica do Ser essencial que configura e anima todos os seres, sejam eles movidos pelo fogo, pela água ou por qualquer outro quinto elemento que esteja além da matéria, que desconhecemos e que provavelmente nunca viremos a conhecer.

[2001]




DAVID CORTÉS CABÁN | Floriano Martins y su Escritura conquistada



Esta reciente publicación, Escritura conquistada. Conversaciones con poetas Latinoamericanos, Tomos I y II (Caracas, Editorial El perro y la rana, 2010), recoge cincuenta entrevistas de poetas que exponen sus puntos de vista sobre la poesía y el acto creativo. Siguiendo un orden cronológico (de países) para orientar la estructura y composición de ambos textos, el poeta y crítico Floriano Martins ha logrado fundir un panorama de voces que nos permiten un mayor aprecio de las personalidades aquí representadas: sus pensamientos y juicios valorativos, sus relaciones con las vanguardias y tradiciones literarias, del sentido del tiempo en sus obras, y de la crítica y lecturas compartidas.
En el primer Tomo se incluyen veinticinco poetas que representan los siguientes países: Argentina, Bolivia, Brasil, Colombia, Chile, Costa Rica, Cuba y la República Dominicana. El segundo Tomo lo comparten poetas de Ecuador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicaragua, Puerto Rico, Panamá, Paraguay, Perú, Uruguay y Venezuela. Todos conforman un gran mosaico representativo y variado de la poesía latinoamericana contemporánea. En cada entrevista Martins indaga la relación del poeta con el lenguaje y la escritura, los temas y afinidades generacionales, el estilo y los motivos que abordan sus textos, las inquietudes y las relaciones literarias y humanas con otros autores. Para este propósito, Martins ha creado un puente que va de la expresión hablada hasta la realidad que proyecta el imaginario poético de estos escritores.    
Escritura conquistada… es una obra de un valor incalculable no sólo para los lectores que posean un amplio conocimiento de la poesía moderna, sino también para aquellos que deseen conocer la importante contribución de estos autores a las letras de Latinoamérica. Es ésta, sin duda, una obra que acerca distancias e ideas que convergen en un diálogo abierto al conocimiento, al respeto y la curiosidad de parte de un crítico que indaga el paisaje lírico, la cultura y el estilo que distingue y valida sus obras. A través de estas conversaciones Martins ha rescatado para los que hoy leemos poesía, y para las nuevas generaciones, el pensamiento de estos poetas. Es decir, Martins nos revela el perfil que sólo es posible descubrir conversando con el autor, o cuando inquirimos en su mundo a través de sus cartas si acaso nos muestran, o dejan entrever, lo más profundo de sus sentimientos. Por eso, estas conversaciones proyectan una información sumamente valiosa de sus vidas y de sus obras. Creo que en el ámbito de la poesía latinoamericana contemporánea ningún libro de entrevistas había agrupado hasta ahora a tantos poetas como lo ha hecho Floriano Martins en Escritura conquistada… Magnífico esfuerzo éste, y nada fácil, sabiendo lo escurridizo y difícil que es, en ciertos casos, entrar al mundo personal de un escritor. Un mundo que a veces reserva posturas y actitudes que pueden descubrirnos una imagen diferente del poeta. Aparte de esto, e independientemente de las posiciones que refleje la obra de un poeta, sabemos que cada escritor es un cosmos diferenciado por el tono, el estilo y su particular visión de mundo.
La publicación de estas entrevistas hay que considerarla como una extraordinaria aportación que facilita el estudio y conocimiento de nuestra poesía latinoamericana. Un legado que muestra a las nuevas generaciones el equilibrio justo y certero de lo que es la gran poesía de nuestra América. Un legado donde “…nuestro reino interior es sólo parcela de un reino mayor, que pertenece a todos” como nos dice Carlos Germán Belli (1927), de ese espacio compartido donde el humilde oficio del poeta resplandece silenciosamente. Ese oficio que puede darnos la satisfacción del instante y quizás garantizarnos nada de la vida, como bien señala el poeta mexicano José Ángel Leyva (1958) hablando de sí mismo: “ser poeta no me hace mejor persona, ni superior a otros, no me garantiza la verdad ni me otorga un sitio en la historia”, (palabras proféticas contra el ego, ¿no?).
Espejos relampagueantes, poetas que dejan la imagen esplendorosa de un verso en la mente del lector; poetas idos hacia la eternidad y poetas vivos, mundos ciertamente maravillosos para comprender la total dimensión de sus obras. He aquí en estas entrevistas sus palabras a través del leve fulgor de sus voces: “Hablo del poeta como el ángel…”, nos recuerda la voz del hondureño Roberto Sosa (1930), definición justa para sí mismo en el paisaje de sus versos; y el amigo don Manuel de la Puebla (1930): “la poesía es un modo de ver, de sentir y de apreciar las cosas”, así de simple y profundo su verso relampagueante sobre la página en blanco, ése cuya presencia estremece el alma dejando una emoción que apenas podemos definir. ¡Qué bien nos sentimos ahora aquí, al lado de estos poetas! Qué expansivo y cercano el mundo que nos presenta Escritura conquistada… Sin alejarme, y contra el viento que lleva el canto de los pájaros pienso que Gustavo Pereira (1940) anuncia lo que creo comprender: “No hay manera de eludir el destino, pues siempre tropieza uno con otro destino…” Sea esta obra, lector, parte de ese destino, tuyo y mío, y de todos los que quieran entrar a la casa de la gran poesía latinoamericana.

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David Cortés Cabán (Puerto Rico, 1952). Poeta y ensayista. Ha publicado: Al final de las palabras (1985), Una hora antes (1990), El libro de los regresos (1999), y Ritual de pájaros: Antología personal 1981-2002 (2004). Fue cofundador de la revista Tercer Milenio.  Contacto: dcortes55@live.com.



CLAUDIO WILLER | Rompendo estereótipos sobre fronteiras nacionais



Com o lançamento desta antologia de Juan Calzadilla, temos mais um resultado dos esforços de Floriano Martins - que já resultaram em livros como Escritura conquistada (1998) e O começo da busca (2001) - no sentido de romper com a nossa insularidade, ou, em termos mais claros, com o provincianismo brasileiro. Desta vez, apresenta-nos a um "artista total", como já o designaram pela atuação como poeta, prosador, crítico e artista plástico. E, acrescentaria, como filósofo, pois nele a criação propriamente literária e artística é um desdobramento de uma reflexão implacavelmente crítica e, acima de tudo, honesta e sincera, pois, diz ele, "Não escrevo sobre aquilo que passa pela minha cabeça. / Escrevo mais sobre aquilo pelo que minha cabeça passa."
Assim como embaralha as fronteiras dos gêneros literários, da imagética livre, passando por uma gama de ironias e sarcasmos, até a escrita seca e concentrada de Aforemas, Calzadilla também rompe com uns tantos estereótipos sobre fronteiras nacionais. O leitor desta coletânea terá a impressão estranha, talvez até desconfortável, de que a Venezuela fica aqui. Ou de que estamos todos em Caracas. Ou então, de que Juan Calzadilla é o mais paulistano - ou curitibano, ou portoalegrense, ou belohorizontino, tanto faz - dos modernos autores hispano-americanos. Isso, por ele ser universal: a condição urbana - e bem menos humana - do título desta antologia é aquela de todos nós, sem escapatória: "O que foge da cidade foge de si". Daí a ironia cortante, pois "A cidade não admite vãs adjetivações". Quem não se sente retratado em cenas como as de A bolsa ou a vida, e não teve a mesma sensação de estranhamento, de que a "bolsa e a vida nos foram confiadas por empréstimo", e, ainda, "talvez não possamos dispor nem da vida nem da bolsa", pois nossa vida não nos pertence e algo nos foi subtraído bem antes de nos defrontarmos com este particular assaltante?
Calzadilla, com seu Diário sem sujeito, não é desses poetas que aspiram a seduzir o leitor. Menos ainda a mobilizar as massas: quer instigar, provocar desconforto. Chega a declarar-se "um ser abominável". Seus fragmentos não descrevem outro mundo, alguma alteridade idílica. Reiteram a constatação de que o mundo é sempre o mesmo. Antiplatônico, onde, para o filósofo grego, o círculo é representação da perfeição, da lógica que rege o universo, para Calzadilla, trata-se apenas de uma reiteração que sanciona o absurdo da condição humana. Pode-se perguntar como é que toda essa reflexão metaforizada, privilegiando o sentido, desdobramento da "consciência desse equilíbrio / de arco perigosamente estendido / ao qual me condena um pensamento a ponto de disparar", resultando em uma poesia e uma poética do paradoxo, é associada ao surrealismo, que privilegiou o ditado do inconsciente? O próprio Calzadilla nos dá a resposta, ao observar (na entrevista-prólogo desta edição) a diferença entre uma crítica surrealista e os "estereótipos preparados pelos meios de comunicação e de dominação". Sai ganhando, por isso, através da leitura desta Condição urbana, nosso conhecimento de surrealismo, de literatura venezuelana, e, em termos mais gerais, de algo da melhor poesia contemporânea.
Resta saber se a antilírica de Calzadilla, declarada em títulos como Diário para uma poesia mínima, Minimales, Antologia mínima, e em declarações como "As coisas que mais deve ver o poeta são as absurdas", não nos põe diante de um solipsismo, um beco sem saída. Diria que sim - mas acrescentaria que, através da sua poesia e de sua atuação como intelectual, ele nos instiga a romper com o círculo ao enfrentar o desafio de nomeá-lo, pois "A poesia é o gênero que trata do óbvio enquanto tal / mas que assume a dificuldade de expressá-lo". Assim como os cínicos da antiguidade (cujas críticas não eram motivadas pela indiferença, mas pelo inconformismo), e contrapondo-se aos estoicos (para os quais o mundo era naturalmente harmonioso), Calzadilla faz poesia política, embora em sua versão mais cética; por isso, a mais honesta. Retrata uma condição pós-utópica que, para o poeta de Dictado por la jauría, não é novidade: conforme mostra esta panorâmica de meio século de criação poética, seu autor nunca alimentou ilusões, e, menos ainda, quis iludir seus leitores.


[2005]

domingo, 21 de setembro de 2014

MÓNICA MORALES ROCHA | Overnight Medley, poemas que saben a jazz



En 1959, Bill Evans escribió, en las liner notes de Kind of blue, sobre los retos de la improvisación grupal. Quizá por encima de las dificultades técnicas de la creación colectiva espontánea, Evans puntualizaba la necesidad humana y social de «simpatía» entre los participantes, para lograr un resultado comúnPara el pianista de Nueva Jersey, esa dificultad quedó resuelta bellamente [¡y de qué manera!] en las sesiones del 2 de marzo y 22 de abril de aquel afortunado año para el jazz.
En Overnight Medley (ARC Edições, 2014), los poetas Floriano Martins (Brasil, 1957) y Manuel Iris (México, 1983), de alguna manera sobre el mismo planteamiento de Evans, presentan a lo largo de sus páginas:
Un libro sobre jazz que es el mismo jazz. La improvisación pero también la fusión. Algo imposible sin la amistad, la sinceridad, el sentido absoluto de donación, de entrega. (p. 223).
Overnight Medley es un poemario trilingüe (español, portugués e inglés) dividido en cuatro partes: Footprints, a cargo de Iris, entre otros poemas recupera las semillas de este proyecto a cuatro manos; poemas que son, también, de los primeros del escritor mexicano, nacidos como una manera de entender la música y dan “testimonio de una reacción emotiva a un estímulo también emocional.” Iris se hace de una serie de textos que visitan a Ellington, Mingus, Coltrane, Monk, Gillespie y más. En diez poemas regala postales diversas, riqueza de voces, personajes, situaciones. Finalmente, su mirada –curiosa– no abandona el erotismo sutil pero contundente y bien logrado (sabroso, pues).  Un fragmento de mi favorito, “Round midnight”:

Thelonius Monk ha atado los extremos de la media noche
para iniciar la variación de los andamios
que se alargan de tu hablar
a tu gemir de orgasmo                 al primitivo
tiempo de los otros                       los pre-humanos
que se aman contemplando el fuego. (pp. 69-70).

Giant Steps, capítulo de Martins, deja cuenta del “registro natural de [sus] preferencias musicales”, e incluye a músicos como Ayler, Cannonball Adderley, hasta Sun Ra; pasando por selecciones menos «ortodoxas», como Pascoal, Piazzolla y Zappa. Siendo este libro mi primera lectura del brasileño, confieso que casi logra engañarme con el orden alfabético, por nombre de pila de los músicos, en el índice de Giant Steps. En palabras de Iris, independientemente de su edad, Martins es “un poeta joven e irreverente” que juega (y disfruta como niño) con las palabras, sin perder un gramo en la maestría de su oficio poético. Me provocó de inmediato el deseo mortal de aprender portugués para leerle en su lengua materna, que –aun sin entender del todo– al pronunciar los poemas, suenan riquísimos. Acá un fragmento de su texto “Cannonball Adderley”:

Lo que amo es una alegoría inquieta      un pronombre
desprendido del lenguaje
lo que amo es una cuenta de risas y no exige nada de mí
lo que amo por suerte no sé donde se encuentra
libro que comienza en el epílogo
a salvo de sí mismo. (p. 112).

En Mi favorite things,  Martins e Iris le apuestan a la técnica de la escritura automática, propuesta de Bretón y los surrealistas, como equivalente a la improvisación jazzística. Y en una serie de poemas que surgen de temas de jazz, como “So what”, “Meditation for Moses”, “Lost” y “The procastinator”; construyen, al alimón, imágenes que deleitan lo mismo que estremecen. De “Memories of you”, una probadita:

y eres eso: la memoria de una mano
acariciando el lomo                        y eres eso: la memoria
entre dos cuerpos que se acercan al límite
de los espejos                  y eres eso: la dulce
memoria de los fuegos
                                                                              y el camino (p. 157).

Y cierran con Don’t eat the yellow snow, un diálogo con sabor epistolar donde Floriano y Manuel develan los orígenes y el proceso de conformación de este poemario; las delicias tras bambalinas de sus páginas. Un guiño al lector. Una concesión generosa, que pocas veces encontramos en los libros.  
La relación entre jazz y literatura no es cosa nueva. Ya desde sus orígenes GinsbergKerouac y la generación beat, en Estados Unidos; o Cortázar desde Latinoamérica, por ejemplo; han dejado amplio testimonio de los paralelos entre ambos. Para el autor de Rayuela, no podría encontrarse otro género musical con mayor similitud al surrealismo literario que el jazz: el ritmo y la inspiración como elementos presentes, tanto en la escritura automática como en la improvisación; el impulso total. Y, por su parte, los beats asimilaron al jazz como método literario y forma de vida, llegando a autopercibirse como jazzistas de la literatura.
Como neófita en los saberes musicales, pero hedonista ávida y voraz escucha de jazz; además de lectora irredenta, no puedo más que celebrar, llena de un gozo indescriptible, que Martins e Iris coincidieran sobre el pentagrama de la vida. Que juntos decidieran publicar este libro que “a partir de la experiencia del jazz, refleja las posibilidades de la amistad, y el amor a la poesía.”
Celebro el Overnight Medley, como celebro una reunión entre amigos entrañables. Me encuentro entre sus páginas, como niña en tienda de dulces, llena de asombro y emoción. Y lo recorro despacio, para dejar que los poemas suenen, estremezcan y lo inunden todo. Sí, la vida es asunto sencillo: jazz y poemas ¿para qué buscar más?

[2014]

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

ADELTO GONÇALVES | Viagem ao Surrealismo americano



Criado por André Breton (1896-1966) e outros poetas em Paris na década de 20, o Surrealismo logo deixou as fronteiras francesas para alcançar adeptos em todo o mundo. Porque não era uma nova linguagem a ser combatida ou aceita, o movimento propunha, isso sim, um questionamento das linguagens que se apresentavam como irredutíveis. Era também uma tentativa de converter a poesia em bem comum, mas, acima de tudo, uma manifestação do inconsciente e, por isso, conquistou tantos seguidores, alguns que nem mesmo seriam aceitos pelo novo corifeu.
Para mapear a influência do Surrealismo na poesia do continente americano, o poeta Floriano Martins decidiu, além de fazer um estudo introdutório, reunir os nomes mais representativos que se deixaram influenciar pelo movimento em suas produções. E produziu Un nuevo continente: antología del Surrealismo en la poesía de Nuestra América, lançado em 2004 pela Ediciones Andrómeda, de San José da Costa Rica.
Nascido em Fortaleza, Ceará, em 1957, onde reside, Floriano Martins é poeta, ensaísta, tradutor e editor, mas especialmente tem se dedicado a estudar a literatura hispano-americana, sobretudo em relação à poesia. É autor de Escritura Conquistada (Diálogos con poetas latinoamericanos), de 1998, e El inicio de la búsqueda (El Surrealismo en la poesía de América Latina), de 2001.
Em 1998, publicou traduções de Poemas de amor, de Federico García Lorca, e Delito por bailar chá-chá-chá, de Guillermo Cabera Infante, seguidas  de Dos poetas cubanos, de Jorge Rodríguez Padrón, de 1999, Tres entradas para Puerto Rico, de José Luis Vega, de 2000, e La novena generación, de Alfonso Peña, de 2000. Publicou ainda as obras de poesia Alma em chamas (1998), Cenizas del sol (2001), Extravío de noches (2001) e Estudos de pele (2004).
Alma irrequieta, Martins ainda encontra tempo para editar, juntamente com o poeta Claudio Willer, de São Paulo, a revista eletrônica Agulha (www.revista.agulha.nom.br), coordenar o projeto “Banda Hispânica” do Jornal de Poesia e ainda dirigir, em colaboração com Maria Estela Guedes, o dossiê surrealista “Poesia e Liberdade” na revista eletrônica TriploV, de Portugal.
Como ensaísta fez, em novembro de 2003, na Academia Brasileira de Letras, a conferência “O Surrealismo no Brasil”, que acaba de sair no segundo tomo de Escolas Literárias do Brasil, edição em dois volumes coordenada pelo poeta Ivan Junqueira, presidente da instituição. O texto é, sem dúvida, aquele que mais bem situa historicamente a presença do Surrealismo em terras brasileiras.
Diz Martins que o Surrealismo penetrou na cultura brasileira “de forma indireta, tendo como pontos de costura tanto as afirmações de Flávio de Carvalho, Jorge de Lima, Aníbal Machado, como as simpatias de Pagu e Murilo Mendes e posteriormente a participação mais estranhável de Maria Martins”. Oficialmente, porém, o Surrealismo chega ao Brasil em 1965, com o estabelecimento de um grupo surrealista em São Paulo, capitaneado por Sérgio Lima, que aderira ao grupo parisiense em 1961, quando de sua residência na França.
À mesma época, já havia em São Paulo um grupo de poetas interessados no que ocorria na América do Norte, especialmente pela movimentação poética da beat generation e pela contracultura. Estavam assim, por extensão, afinados com o Surrealismo, porque a beat generation havia se deixado impregnar pelos valores surrealistas, ainda que André Breton nunca houvesse de reconhecer isso.
Esses poetas de São Paulo, como Allen Ginsberg, Burroughs e Jack Kerouac nos Estados Unidos, também nunca integrariam oficialmente o grupo surrealista de Sérgio Lima: Claudio Willer e Roberto Piva. A razão do impedimento da adesão formal de ambos ao Surrealismo, diz Martins, “ambientava certa reserva da parte do próprio Breton em aceitar desdobramentos do Surrealismo”, de que poderiam ser exemplos tanto o abstracionismo como a geração beat e a contracultura.
Ao fazer essa reconstituição histórica do que foi a influência do Surrealismo no Brasil, Martins escolheu exatamente poemas de Sérgio Lima, Claudio Willer e Roberto Piva para representar o Brasil em sua antologia. Willer é com Martins co-editor da revista eletrônica Agulha, mas em sua escolha não há nenhum laivo de compadrio ou amizade: Willer é mesmo uma das vozes mais representativas de um tipo de poesia que, no Brasil, sempre foi marginalizada, pouco estudada na academia, talvez porque ligada à contracultura, mas que, finalmente, começa a ser reconhecida exatamente por sua alta qualidade literária, por suas imagens às vezes extravagantes, mas essencialmente poéticas.
No continente americano, diz Martins em seu estudo introdutório “Surrealismo: un cadáver extranho de la poesía como bien común”, a aventura surrealista tem mantido uma relação clara com forças antagônicas — a magia e o positivismo —, lembrando que, se tem dialogado intensamente com a primeira, sempre se colocou visceralmente contra as argumentações conservadoras que mais se assemelham a imposições. De fato, a idéia do Surrealismo de escrita automática gerou grandes reações por parte daqueles que se agarravam à razão cartesiana tanto à esquerda como à direita do espectro político.
Martins reconhece que fazer uma antologia não passa de uma viagem por um universo de sugestões. Escolheu trinta poetas e todas as suas escolhas foram acertadas, ainda que grandes poetas possam ter ficado no esquecimento. Mas esse é o risco de toda antologia.
Entre os poetas escolhidos, além dos brasileiros, os argentinos Aldo Pellegrini e Enrique Molina, o peruano César Moro, o costarriquenho Max Jiménez e o dominicano Freddy Gatón Arce valem a viagem, embora o mais especial seja mesmo o martinicano Aimé Césaire, que fez das descobertas do Surrealismo o caminho para a negritude, tendo se utilizado de uma técnica européia para o seu reencontro com a cultura africana.
Além de Césaire, o norte-americano Philip Lamantia e os canadenses Roland Giguère e Paul-Marie Lapointe e o haitiano Clément Magloire Saint-Aude completam uma lista basicamente de latino-americanos, que ainda inclui os chilenos Rosamel del Valle, Braulio Arenas, Teofilo Cid, Enrique Gómez-Correa e Ludwig Zeller, o peruano Emilio Adolfo Westphalen, o equatoriano César Dávila Andrade, os argentinos Olga Orozco, Francisco Madariaga, Julio Llinás e Alejandro Puga, a costarriquenha Eunice Odio, os venezuelanos Juan Sánchez Peláez, José Lira Sosa e Juan Calzadilla, o cubano Lorenzo García Vega e o colombiano Raúl Henao. Esperamos, agora, que Floriano Martins faça a versão da antologia para o português.

[2005]

[Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa e mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003).]


LUIZ CARLOS MONTEIRO | A poesia sem tréguas de Floriano Martins



Floriano Martins escreve poesia como quem repele, de modo radical e irreconciliável, o minimalismo de décadas recentes. Ele intenta afastar de seu discurso lírico certas falácias redutoras e insustentáveis, que manifestam-se tanto na esfera intuitiva quanto no terreno da poética propriamente. Descarta o esvaziamento de conteúdos indispensáveis à expansão e permanência da boa poesia, abolindo também a esterilidade formal provocada pela arrumação solta, artificiosa e aleatória de palavras no poema. E ao divulgar seu novo livro pela Internet – o eBook Natureza morta -, contradiz tudo aquilo que se destinaria a facilitar a engenharia, em muito ilusória, da leitura funcional, supostamente fluente ou veloz.
A expressão-título Natureza morta pode sugerir coisas como modalidade pictórica ou degradação do verde. Ou ainda, a tematização e metaforização do amor, força-motriz da poesia - de um amor em particular, que presentifica-se, paradoxalmente, na constatação da ausência. Contraposto ao amor que apresenta-se carnalizado e orgânico, fragmentado entre a necessidade, a negação e a angústia de sua consecução, e reforçado por uma sensualidade que logra superar a ocultação daquele outro.
Outros temas eleitos por Floriano Martins revelam-se como a religiosidade, a infância, a loucura e a reflexão sobre a poesia. A religiosidade aflora-se nos sete poemas de “Sombras raptadas”, parte inicial do livro. Figuras bíblicas femininas encetam monólogos onde o interlocutor preferencial ou possível, onipresente ou subentendido é o Cristo, que, embora mais raramente, também devolve sua fala. Tais vozes sobrepõem-se, caracteristicamente, à voz subliminar do poeta que as enuncia.
Na sua aproximação ao surrealismo, aos labirintos ativos do inconsciente, essa poesia consegue abrir brechas e possibilidades na busca  de um discurso renovado. São elementos formais definidores neste processo os choques vocabulares entre palavras aparentemente impossíveis de estarem juntas, as metáforas e imagens violentas e inusitadas. O poeta Claudio Willer vislumbrou, em resenha sobre o livro anterior de Floriano Martins, Alma em chamas (1998), relances de “uma crítica de fundo metafísico e romântico à sociedade burguesa”. Crítica que parte, sem concessões, em Natureza morta - apesar da ternura subterrânea nela contida -, do microcosmo existencial do autor: a família. O parentesco a que não se pode renunciar pelo sangue, a não ser que não se tenha ou não se conheça raízes genealógicas neste mundo.
Na terceira parte, “O rastro de um caracol”, sete poemas em prosa versam sobre a infância e suas descobertas projetadas na idade adulta: a relação oscilantemente próxima e distanciada com os parentes, a iniciação sexual adolescente e a herança livresca paterna. Tudo isso filtrado pela concepção ideológica – existencial e social – do poeta de agora, e pelos jogos antitéticos e dialéticos que empreende. E que não deixam margem ao escamoteamento de fatos verdadeiramente vividos ou apenas sugestivamente imaginados.
Essa crítica acirrada, na segunda parte de Natureza morta, chega até a um manifesto sobre a violência – “Às voltas com a violência (e suas campanhas)” -, no qual há questionamentos que ultrapassam a incoerência e a banalidade do senso comum. Tendo já se tornado rotineira nas grandes cidades, como um estado de coisas consentido, a violência requer, para o seu combate de dentro, armas inúteis talvez, como a argumentação da recusa em dela participar.
Em Natureza morta, duas são as formas poéticas escolhidas: o poema-poema e o poema em prosa. O primeiro, mantendo a disposição espacial que privilegia o binômio verso-estrofe, alinha-se em versos brancos ou ocasionalmente rimados, de dimensão fixa ou variável. Ele tende, com frequência, à extensão, provocada talvez pelo excesso diccional de quem mais tivesse a dizer. Os limites do verso são ultrapassados com o salto para outro verso ou estrofe, sob os efeitos do enjambement.
O segundo tem como resultado blocos inteiriços de uma prosa poética aliterante e assonante, que remove-se circularmente, perfazendo um retorno sutil e constante ao já dito, embora de outras maneiras e com outras palavras. Uma forma pode juntar-se à outra – trechos de poemas em prosa intercalam-se, antecedem ou sucedem a inserções de versos e estrofes do poema-poema, e vice-versa.
Mesmo sem decair em moldes demasiado rígidos, essa poesia não admite o leitor dispersivo, adepto do achado fácil ou da construção relaxada. A medida de sua flexibilidade reflete-se numa espécie de sentido oculto, tanto quanto em torpedos e “máquinas de guerra” como mensagens explícitas, que mais e mais vão se aclarando com a leitura progressiva e atenta. Expressões categóricas de cunho afirmativo e conceitual, filosoficamente diluídas ou corroboradas na experiência cotidiana a partir de um discurso compreensível, mesclam-se ao seu oposto, as interrogações renitentes. Estas introduzem-se como indagações sugeridas pela dúvida do afirmado, pela teimosia e cautela em não estabelecer verdades definitivas e últimas.
Em “Paródia do cadafalso”, Nota de Acesso ao livro, Floriano Martins pronuncia-se sobre o horizonte da especulação atual em torno da poesia, e mais extensivamente, da arte: “Abolida a sucessão de tempo e espaço, por ali foram também descontinuidades e diferenças. A arte quando muito pintará a si mesma: uma natureza morta”. No cerne desta visão um tanto pessimista, o poeta, ser despersonalizado e descentrado, anônimo e sem rosto, teria como referencialidade possível apenas a crueza de um cotidiano inglório e excludente nos meandros da urbe. Para não mergulhar completamente neste abismo de injunções prosaicas e transitórias, deverá cumprir - ainda que sem esperança de remissão ou “coroa de louros” -, o que dele é exigido pela poesia em conjunção com a vida. E assim, atendendo a disposições individuais mas solidárias, sustentadas no seu próprio fazer poético, poderá eliminar algumas descontinuidades indesejadas e estabelecer a diferença a seu favor.

[2001]




VÍCTOR SOSA | La incandescente pregunta



Estudos de Pele, del poeta Floriano Martins nos remite, desde su mismo título, a la creación de un mundo aparte, a la invención de un lugar que es el único posible para el poeta: el lugar de la escritura. Entrar en este poemario es aceptar las reglas del juego de la invención, de la creación y de la gestación de un universo que tiene lugar en la ubicuidad del poema y su lectura -esa conjunción que hace posible el sorpresivo encuentro con la poesía. Desde el comienzo, entonces, sabemos qué territorio pisamos. El territorio de la creación poética, el territorio del fingimiento -el poeta, ese fingidor, como quería Pessoa-, el lugar sin límites de la palabra en estado de incandescencia. Palabra desvinculada de ese impositivo ejercicio que el sentido común le ha otorgado: nombrar, dotar de sentido al mundo, jerarquizar y definir fronteras entre esto y aquello, entre el afuera y el adentro, entre lo permisible y lo interdicto que toda sociedad impone.
La  palabra poética -palabra desvinculada de toda servidumbre-, desnombra el mundo, trastoca y desarregla los sentidos (Rimbaud), desjerarquiza y desdibuja las rígidas y artificiales fronteras entre esto y aquello, entre el adentro y el afuera, entre lo permisible y lo prohibido. Palabra desbocada hacia el vértigo, hacia la entrópica incertidumbre de lo real, hacia la puesta en duda, bajo sospecha, de la tranquilizadora categoría de lo verdadero.
En ese territorio de incertidumbre sucede Estudos de Pele. Lo que ahí sucede es una proliferación de escritura en zigzag, de híbridas ramificaciones discursivas en constante transmutación de sus sentidos. Veamos este punto más de cerca: Floriano logra apropiarse de innumerables discursos, decursos y géneros escriturales; todo se va articulando dentro de un ámbito narrativo ya que se trata de historias, pero de historias fragmentadas, astilladas a veces, inconclusas o, más exactamente, carentes de desenlace, de una resolución final, cuentística, diríamos. Si hay una apropiación de lo narrativo, también tenemos una apropiación del género dramático, teatral, escénico. Este recurso abre la escritura poética a un espacio virtual y, por tanto, a un tiempo, el tiempo de la actuación, de la representación, de la “puesta en acto” (Lacan) del poema. Se vive un drama de voces, y un desdoblamiento de esas voces en otras, un tañido de ecos que recorren la escena y que se pierden en la atmosférica imantación allí creada. Diálogos. Las sombras que Floriano Martins proyecta dentro de estes estudos, dialogan entre sí, y dialogan, también, con el lector. Y dentro de esos inquietantes diálogos marcados por el desasosiego, que indagan en las profundidades del ser -y que, por momentos me remiten a la subjetiva y deslumbrante prosa poética de Lispector-, se impone otro recurso estilístico de gran significación: la interrogante, la pregunta; rítmica pregunta obsesiva, como un detonador que hace añicos la pasiva hecatombe de la costumbre. La interrogación constante que atraviesa estas páginas está muy lejos de ser un mero artificio retórico y, más bien, es la columna donde se vertebra lo medular del discurso poético, lo que justifica todo el andamiaje formal y las múltiples apropiaciones genéricas. La pregunta -la gran Pregunta de la poesía- es la que detiene el tiempo lineal de la Historia y nos traslada a un tiempo mítico -que, por estar fuera de la Historia, está siempre presente, es presente perpetuo y arquetipo-. Y la Pregunta se interroga sobre la palabra y sobre el sentido: “Cómo resguardar a palavra sem seu sentido, extraviar o corpo sem dor, a alma sem nela crer?”; se interroga sobre el nombre: “Precisamos, sei, de um nome. Que seja o meu, o teu, outro, mas que falem todos os filhos a mesma língua”; búsqueda de una lengua común, que es también la búsqueda del origen perdido; búsqueda, por la poesía, de la superación del castigo babélico y del alumbramiento de una ecuménica lengua anterior a la Caída. Noble búsqueda imposible porque, el poeta lo sabe: “Os nomes não dizem nada. Teu verdadeiro nome para sempre está perdido”. En efecto, la poesía es una búsqueda de lo imposible y es, paradójicamente, la implícita conciencia de ese fracaso: el nunca hallar lo buscado. Sin embargo, el hallazgo se encuentra en la búsqueda que es el poema, en el incesante suceder de la escritura, en los sorpresivos encuentros y en los inesperados vislumbres que sólo acaecen en la deriva de una escritura que se busca a sí misma. Palabra: nombre: máscara. La máscara -esa persona- es a la vez el símbolo de la representación y del ocultamiento, del artificio y de lo real detrás de éste. Por eso nos dice el poeta: “Quantas máscaras recaem sobre mim?”; “Onde estás, máscara, Festa, és tu?”. Sabemos que somos muchos, pero no sabemos cuantos somos. Desde Whitman, desde Rimbaud, desde Freud, aceptamos la condición plural de la existencia: “¿Me contradigo? Contengo multitudes”, afirmaba el poeta de Manhattan. Y Floriano pasa de la máscara al cuerpo, a la pregunta sobre el cuerpo: “Quantos corpos teus desejo agora?”; “Quantas partes tuas espalhadas por mil corpos?”. El cuerpo imposible, el cuerpo del deseo; cuerpo-metonimia incesante que, al igual que la poesía, se evade en el deseo de la búsqueda: “Ou acaso o que me encanta é seu vazio?”. El cuerpo -al igual que la máscara- es el símbolo de la representación y del ocultamiento del ser, de ahí la imposibilidad de aprehenderlo, de ahí su fugacidad y su vacío.
Si la interrogación es la constante medular de estes Estudos de Pele, la mujer -la Mujer-emblema-, o más correctamente las encarnaciones y apariciones femeninas en el discurso poético, son las articulaciones sin las cuales este organismo poético no podría caminar. Floriano Martins recurre a nombres propios: María, Magdalena, Marta, Ruth, Raquel, Sara, mujeres bíblicas, mujeres míticas, mujeres que también nos introducen en un tiempo perpetuo y circular, propio de la poesía. Todas las mujeres como la Mujer, y viceversa: “com cuantas mulheres te deitarás, supondo que estarei em cada uma delas?”. María, arquetipo de pureza, pero también, en la escritura del poeta, sinónimo de creación -al igual que Dios Padre-: “meu filho me foi doado pelo esplendor de minha ilusão”. Sólo a partir de un esplendor de esperanza se produce el milagro; la creación es, antes que nada, la creación del deseo y el anhelo de una concretud. Fusión de las antinomias: lo carnal y lo espiritual, Dios y el hombre, el deseo y la realización, confluyen: “que não serás Deus enquanto não fores homem”. Otra vez la dualidad y la duplicidad del ser siempre en juego pero abolida la contradicción en la Unidad necesaria. De ahí la importancia de esas mujeres en la escritura de Martins: no hay completud posible sin ellas, sin su invención, sin su participación e intromisión en el lenguaje, en la lengua bífida del poema, y por otra parte, ese complemento es inalcanzable, ilusorio, utópico, sólo dable en el reino de la magia o del mito -del cual hemos sido expulsados hace tiempo.
Estudos de Pele: paradójica definición de ese imposible llamado poesía pero que Floriano Martins logra hacer realidad en el milagro -en el deseo del milagro- de una palabra tan desbocada como intensa; incandescencia que pregunta y pregunta que, en su respuesta, quema.

[2005]




CARLOS GERMÁN BELLI | Un libro que une y escudriña



La geografía por suerte nos ha puesto codo con codo, sin embargo los hispanoamericanos y brasileños constituyen unos vecinos algo distantes. De por medio está la fatalidad babélica de los idiomas que hablamos que, si bien son de origen romántico, al fin y al cabo resultan desemejantes. Pero a veces hay esfuerzos para acercarnos y curiosamente es en campo de la poesía, como lo prueba el libro Escritura Conquistada (Diálogos con poetas latinoamericanos), cuyo autor es el escritor brasileño Floriano Martins, quien ha dado en clavo en algo que muchos de estos vecinos distantes anhelan, como es el aproximarse.
Martins dialoga con una veintena de creadores hispanoamericanos y cuatro brasileños; y todo el trabajo es exclusivamente de él: las palabras preliminares, las entrevistas e las traducciones de textos representativos. A la luz de ello, hay que recordar aquí un antecedente que justo se produce en Lima, como fue el programa editorial de la embajada brasileña, cuando puntualmente salen a luz cincuenta títulos entre 1978 e 1989, en particular unos impecables florilegios de poetas brasileños de todos los tiempos, en traducción a cargo de autores peruanos.
Este tipo de aproximación es hoy individual y motivada únicamente por Martins, quien radica en la ciudad de Fortaleza donde ha convertido su torre de marfil en una torre de comunicaciones incesantes, estableciendo así un especial diálogo con sus pares hispanoamericanos. Además, posee una biblioteca de 1.500 volúmenes, un archivo de 3.000 recortes y un archivo fotográfico, todo relacionado con el parnaso hispanoamericano. Y, más aun, desde hace tiempo está empeñado en compilar y traducir una exhaustiva antología, que será un preciso complemento de este libro de entrevistas.
Los libros son cosas inanimadas, aunque en este caso por el fervor del autor asume de cabo a cabo las particularidades de los seres animados y en consecuencia, Escritura conquistada se convierte en un libro que une y escudriña. En efecto, tiende a acortar las distancias entre los vecinos ante todo que los poetas del universo literario iberoamericana se acerquen entre sí; y asimia, es un volumen que va al grano cuando escudriña el quehacer de cada entrevistado, al preguntarle el tenaz entrevistador cómo es tocado por la poesía y por qué escribe.
El desconocimiento mutuo no sólo es privativo de brasileños e hispanoamericanos, sino que se extiende al resto de América Latina; e, igualmente, la oscuridad constituye una constante en las artes del siglo XX, e por ello qué pertinentes son las interrogaciones de Martins. Naturalmente, hay que ser generosísimo y muy perspicaz, como él, para abordar lo inalcansable y lo inescrutable.

[1999]

[Jornal El Comercio. Lima, 29/09/1999.]




PAULO MONTEIRO | Um poeta de verdade



O Brasil é um país de poetas. "A dor ensina a gemer"., diz um adágio; "Quem canta, seus males espanta", assegura outro. Talvez, por isso, tantos cantem nesta Pindorama. Na proporção dos cantores existentes, porém, os verdadeiros criadores literários são poucos. A maior parte é de subliteratos, mesmo.
Floriano Martins, cearense de Fortaleza, onde nasceu em 1957, é um dos bons poetas brasileiros da atualidade. Incursiona, com êxito, ainda pela crítica literária e o ensaio. Porta culto, tradutor de Federico García Lorca e Guillermo Cabrera Infante, filia-se a uma das correntes poéticas mais representativas da poesia brasileira contemporânea, o surrealismo essa escola já octogenária, mas que tem demonstrado uma capacidade revivente inegável, encontra, entre nós, o poeta de Nenhuma correnteza inaugura minha sede um de seus expoentes.
Li, no mesmo vagar com que se deve tomar um bom vinho, o livro Alma em Chamas (Letra & Música Comunicação Ltda., Fortaleza, 1998), reunindo poemas escritos entre 1991 e 1998.
A felicidade com que Floriano Martins transita entre o poema em versos e o poema em prosa é meridiana, embora sua obra reflita o espírito da escrita automática, natural do surrealismo. Entretanto, esse fazer poético, que sói soar truncado nos epígonos, escoa e ecoa límpido no poeta cearense. E essa clareza transparece nas passagens em verso ou prosa. Nas primeiras, ao aproximar-se bastante da métrica tradicional, dá uma unidade rítmica aos poemas mantendo uma certa liberdade já consolidada no poema do século XX. Na prosa poética chega-se ao verso verdadeiramente livre, fugindo à aridez de muitos que tentaram esse caminho da arte poética.
Veja a estrofe do poeta:

O homem é a metade de seu canto, a metade
de seu mundo devorado pela criação,
linhas e raízes do desejo, pedras negras
do sonho, o homem e sua metade dissolvida
dentro das visões dessangradas, seus ecos.
A outra, blasfema entranha, é a aparição
de si mesmo, o mito destruído, o horror
predileto do ser, vida ornada de miséria,
sonhos macerados, o homem em seu canteiro
de imagens, secreta morada de cinzas.

É assim que (ed. Cit., p. 37), definindo o homem, o poeta define o próprio poema. "O homem é a metade de seu canto…", a metade do poema. em outra passagem, agora em prosa, sentencia: " O poema é como um lagarto voraz em busca de seu enigma verde. Não canto a ninguém. Dissolvo-me para que me alcance. Morra o homem de solidão, até ser o poeta de si mesmo." (p. 51)
O homem é o próprio lagarto, é um animal muito antigo que somente se conhece através do poema, daquela supra-realidade de que falou alhures Fidelino de Figueiredo.
Uma leitura apressada dos poetas pertencentes à família literária de Floriano Martins pode ser enganosa; pode revelar metade do homem, o lagarto, esquecendo sua voracidade em busca do enigma verde, enigma que pode ocultar-se sob diversas formas. Duas delas estão no exotismo dos nomes orientais (já usado pelos simbolistas) ou na recorrência às mitologias e, mais especificamente, às constantes referências a outros poetas. Neles o lagarto vai saciar-se de verde, o verde/verde vida/ que a vegetação poética põe à disposição do homem para saciar sua fome de supra-realidade, sua ancestral necessidade de céu, estrelas, divindades. Isso se realiza com a morte do homem de solidão e o nascimento do poeta de si mesmo.
Ora, esse supra-realismo (sur + réalisme) surge - até mesmo historicamente - como uma negação da torre de marfim simbolista. O símbolo, extirpada a barriga famélica, é a metade audível do canto. É o corpo, o poema. A saciedade, esta sim, é a poesia. Daí as limitações da (talvez pretensa) cientificidade crítica para entender essa poesia, traduzi-la à linguagem não-literária pode revelar-se impossível. O acertado pode ser reescrevê-la, romper com a escritura crítica tradicional. Quando assim se procede vê-se que Floriano Martins, ao contrário da maioria dos nossos comentadores de versos, consegue unir as duas metades de que ele tanto fala em seus poemas. E em o conseguindo apresenta-se como um verdadeiro poeta, um criador literário pleno, como poucos de sua geração.

[2000]


[Jornal O Nacional. Passo Fundo, RS. 30/11/2000.]