O poeta brasileiro Floriano Martins acabou de organizar e
publicar um livro de Cruzeiro Seixas, Confissões
de um espelho (Fortaleza, Agulha, 2016, pp. 188), cujo núcleo são 45 cartas
ao organizador, escritas entre Setembro de 2003 e Novembro de 2015. Floriano
Martins fora já editor de Cruzeiro Seixas em 2005 com Homenagem à Realidade (São Paulo, Escrituras).
O novo livro é peça digna de nota, desde logo pela importância das cartas
de Cruzeiro Seixas, as primeiras deste autor que se publicam em livro. São
cartas longas, recheadas de afirmações aforísticas, de boa valia para conhecer
quanto o português pode ser desconcertante na escrita como nos desenhos que
elegeu como a sua primeira e mais importante forma de expressão. Numa carta de
2006 diz: “Eu nunca coloquei nada na net, tornando-se insuportável para mim navegar sem água.” Numa outra, de 2015,
deixa esta indicação: “Creio que a pintura entendida como a entenderam
Velásquez ou os impressionistas acabou.” Em duas outras faz questão de se
afirmar um alcoforadista intransigente e apaixonado. “Mariana Alcoforado que
amo mais do que o Chamilly”, diz ele.
As cartas são complementadas por várias entrevistas, depoimentos
internacionais – são notáveis os textos de Sarane Alexandrian e de Franklin
Rosemont – e até uma antologia de 12 desenhos e 12 poemas, que revelam o convívio
apaixonado do organizador com a obra do seu autor. O conjunto é doravante
indispensável para se conhecer Cruzeiro Seixas e até para abordar alguns dos
sulcos maiores e menores que o surrealismo gravou de forma indelével em
Portugal e no Brasil.
Foi Mário Cesariny que peneirou o surrealismo português até obter esta
síntese (As mãos na água a cabeça no mar,
1985: 272): Fundamentalmente [no
surrealismo português], tratar-se-ia de
três posições que, convergindo, divergem: o Amor-Mágico e Extra-Mundo, de
António Maria Lisboa; o “Amor, Amor Humano”, amor “que nos devolve tudo o que
perdêssemos”, de Mário Cesariny de Vasconcelos; a impossibilidade de Amor, ou a
Abjecção de Pedro Oom do Vale. Estes
os três motores sempre presentes (…); em vão se procurará no surrealismo
português chaves muito diversas destas “três penas capitais”.
Não
fica mal juntar hoje a estes três nomes e posições o nome e a posição de
Cruzeiro Seixas. O amor solar, estival e alucinado, foi o caminho e o sinal da
sua vida e da sua criação; os seus desenhos são uma selva de emaranhados e
admiráveis símbolos sexuais e a sua vida, que elegeu por estrela condutora
Mariana Alcoforado, aspirou a ser o elogio da paixão escaldante.
Aos
três mundos do surrealismo português apontados por Mário Cesariny, é de justiça
acrescentar o mundo de Cruzeiro Seixas, que este seu epistolário com Floriano
Martins nos ajuda a conhecer por dentro e a perceber mais próximo do Extra-Mundo de Lisboa, e até do Amor Humano de Cesariny, que da Abjecção de Oom, não obstante a leal Amizade que desde a adolescência na escola
António Arroio uniu o autor de “Um ontem cão” e aquele que um Mário Cesariny
com poderes especiais para nobilitar os seus pares nomeou “Rei Artur”.
__________
SEIXAS, Cruzeiro: Confissões de um espelho. Fortaleza: ARC Edições, 2016.
Visite a nossa loja: http://abraxasloja.blogspot.com.br/2015/04/em-silencio.html.