domingo, 28 de junho de 2015

LORENZO FALCÃO | Quase 600 páginas de "proesias"



“Eu tenho vivido sob o salvo conduto do acaso”. É a frase que fecha a entrevista de Floriano Martins na entrevista a Márcio Simões, e que está nas últimas páginas do livro “A vida inesperada” (Arc Edições), lançado recentemente. Reúne a obra poética completa de Floriano, abarcando sua produção em verso de 1991 a 2015. 
O livro é um tijolo, com suas quase 600 páginas. “São poemas escritos durante os últimos 24 anos, 20% publicados no Brasil, 40% em países de língua espanhola e o restante inédito. Mas foi tudo remontado, reordenado”, explicou-me Floriano, em seu último mail, respondendo indagações finais que eu precisava para escrever esta matéria. 
Ensaísta, tradutor, poeta, editor de veículos literários e aventureiro na música e nas artes plásticas, “seo” Flô, como gosto de chamá-lo, é um militante feroz das letras. E o que temos em “A vida inesperada” é algo valioso, pois dá vazão à sua obra poética completa, onde predomina a inspiração e a estética surrealista. 
“Vejo o convulsivo na poesia de Floriano Martins dentro daquilo que no Surrealismo se define como belo, vejo o encontro de elementos, sensações e temas, no ponto em que deixam de ser opostos”. É o que está na contracapa da obra, assinado por Susana Wald. 
É curioso observarmos a frase inicial deste texto, para contrapô-la, com parte dos escritos de Floriano, como suas entrevistas e ensaios que jogam luz à produção literária de inúmeros poetas e escritores, notadamente, aqueles com algum vínculo ou aproximação ao surrealismo e/ou outras vanguardas das letras universais. 
Entender e saber expressar-se em torno desses escritos que não são muito acessíveis ao leitor mediano é uma tarefa importante. E usar da razão e do seu conhecimento para esclarecer as coisas, é o que Floriano também tem feito, além da sua produção poética. É que sendo o Surrealismo um movimento artístico e literário, concebido com a intenção de enfatizar a força do inconsciente na atividade criativa, que estaria sucumbindo pelo racionalismo, assim sendo, ligada ao “acaso”; isso jamais impediu que o autor da poesia – ou prosa poética – de “A vida inesperada”, se permitisse a destrinchar os motivos e inspirações brotados da inconsciência, nas letras de inúmeros autores ligados, de alguma forma, ao Surrealismo. 
Daí que temos dois Florianos distintos. Um que é generoso e repassa sua informação e seus conhecimentos sobre poesia, buscando a clareza como objetivo; e outro, o criador, que escreve sua poesia libertária segundo dita a voz que vem de dentro dele próprio, e sem fazer concessões ao leitor, porque o compromisso maior do artista deve ser sempre com ele mesmo. 
“A poesia de Floriano Martins é o lugar quase lascivo de uma ambiguidade. Desfrutar dessa ambiguidade é um privilégio que, em definitivo, não é para todo mundo”, escreveu em “A vida inesperada”, Renata Sodré Costa Leite. 
O Tyrannus recomenda com gosto a obra que chega. Especialmente para os iniciados na arte da escrita, ou para aqueles que não temem o novo, o diferente. 
Os interessados no livro podem descobrir como adquiri-lo através do link abaixo... 

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[Originalmente publicado em http://www.tyrannusmelancholicus.com.br/noticias/5998/quase-600-paginas-de-proesias]



domingo, 21 de junho de 2015

JORGE PIEIRO | Intromissão numa vida inesperada



Peço permissão, a princípio, para ler o poema 35 de Lembrança de homens que não existiam:

Agora abrimos a escada, para que possamos ir e vir.
Objetos e nomes saltam em todas as direções.
Um livro rasteja por entre pernas alongadas de móveis incertos.
Os adjetivos semeiam sua tempestade de assombros.
Vozes não identificadas ensaiam um happening que se reescreve indefinidamente.
Muitos de nós nos encontramos em dois tempos no mesmo sítio.
O livro-serpente vai deixando seus ovos por onde passa.
São pequenos símbolos que ao romperem a casca se convertem em dragões.
Os esconderijos são anfíbios e confundem todas as espécies.
Aos poucos descobrimos que respiramos o ar que produzimos.
A terra já nos extinguiu e ainda não demos por conta.
As escadas cambaleiam, não sabem a quem recorrer: aos que entram, aos que saem.
Eu perdi o meu nome em um desses conflitos.
E agora só me resta esperar que saibas retornar ao ponto em que nos surpreendemos um com o outro.

A vida inesperada, de Floriano Martins é mais do que um acaso. É um acontecimento eternizado de uma falsa instabilidade. Não, não pensem que esta pedra, na capa do livro, mantém equilíbrio sobre o tronco da árvore, apenas por ser uma foto. E foto é instantâneo, sem momento seguinte aparente. Inesperadamente…
Por aqui jorram 24 anos de uma poética tensa, de abismos, abissal. É bom lembrar que aos abismos não se permitem desistências se neles entramos. A não ser que a finalidade não seja o Fim sem resistências.
A poética de Floriano Martins carrega um celeiro de fantasmas (ou seria fantasias do que respiramos?). Os três primeiros momentos da obra, Cinzas do sol, Sábias areias e Tumultúmulos, já me prestaram dias e me fizeram perder o ar, lá se vão 20 anos… Foi quando escrevi um ensaio intitulado Galeria de Murmúrios, e ali dissera que "o herói redime-se no poeta e mártir" e que aquele poeta, já maduro, mais responsabilidade teria com a sua obra futura.
Foram palavras quase por dizer, pois, realmente a poética de Floriano já se consolidara naquele tempo. Ei-lo, pois, perpetuando sempre de modo diverso o seu desígnio: "o inferno todo passa por aqui e se lastima do que vê". Mas também "o inferno é uma casa repleta de hesitações".
Floriano apenas desvenda, feito este perigoso poeta, como assim afirma Renata Sodré Costa Leite na quarta capa da obra. Perigoso poeta. Ele desvenda a vida como a Alma em chamas, título de outro capítulo-obra.
Enfim, neste abismo que se nos apresenta, poderemos aprender a voar e, quem sabe, nos depararmos com outra vida inesperada!
Obrigado!



[Sabores Orgânicos,  noite de 17 de junho de 2015. Texto de apresentação do livro A vida inesperada.]


segunda-feira, 15 de junho de 2015

MÓNICA MORALES ROCHA | Overnight Medley, poemas que saben a jazz

 


En 1959, Bill Evans escribió, en las liner notes de Kind of blue, sobre los retos de la improvisación grupal. Quizá por encima de las dificultades técnicas de la creación colectiva espontánea, Evans puntualizaba la necesidad humana y social de «simpatía» entre los participantes, para lograr un resultado comúnPara el pianista de Nueva Jersey, esa dificultad quedó resuelta bellamente [¡y de qué manera!] en las sesiones del 2 de marzo y 22 de abril de aquel afortunado año para el jazz.
En Overnight Medley (ARC Edições, 2014), los poetas Floriano Martins (Brasil, 1957) y Manuel Iris (México, 1983), de alguna manera sobre el mismo planteamiento de Evans, presentan a lo largo de sus páginas:
Un libro sobre jazz que es el mismo jazz. La improvisación pero también la fusión. Algo imposible sin la amistad, la sinceridad, el sentido absoluto de donación, de entrega. (p. 223).
Overnight Medley es un poemario trilingüe (español, portugués e inglés) dividido en cuatro partes: Footprints, a cargo de Iris, entre otros poemas recupera las semillas de este proyecto a cuatro manos; poemas que son, también, de los primeros del escritor mexicano, nacidos como una manera de entender la música y dan “testimonio de una reacción emotiva a un estímulo también emocional.” Iris se hace de una serie de textos que visitan a Ellington, Mingus, Coltrane, Monk, Gillespie y más. En diez poemas regala postales diversas, riqueza de voces, personajes, situaciones. Finalmente, su mirada –curiosa– no abandona el erotismo sutil pero contundente y bien logrado (sabroso, pues).  Un fragmento de mi favorito, “Round midnight”:

Thelonius Monk ha atado los extremos de la media noche
para iniciar la variación de los andamios
que se alargan de tu hablar
a tu gemir de orgasmo                 al primitivo
tiempo de los otros                       los pre-humanos
que se aman contemplando el fuego. (pp. 69-70).

Giant Steps, capítulo de Martins, deja cuenta del “registro natural de [sus] preferencias musicales”, e incluye a músicos como Ayler, Cannonball Adderley, hasta Sun Ra; pasando por selecciones menos «ortodoxas», como Pascoal, Piazzolla y Zappa. Siendo este libro mi primera lectura del brasileño, confieso que casi logra engañarme con el orden alfabético, por nombre de pila de los músicos, en el índice de Giant Steps. En palabras de Iris, independientemente de su edad, Martins es “un poeta joven e irreverente” que juega (y disfruta como niño) con las palabras, sin perder un gramo en la maestría de su oficio poético. Me provocó de inmediato el deseo mortal de aprender portugués para leerle en su lengua materna, que –aun sin entender del todo– al pronunciar los poemas, suenan riquísimos. Acá un fragmento de su texto “Cannonball Adderley”:

Lo que amo es una alegoría inquieta      un pronombre
desprendido del lenguaje
lo que amo es una cuenta de risas y no exige nada de mí
lo que amo por suerte no sé donde se encuentra
libro que comienza en el epílogo
a salvo de sí mismo. (p. 112).

En Mi favorite things,  Martins e Iris le apuestan a la técnica de la escritura automática, propuesta de Bretón y los surrealistas, como equivalente a la improvisación jazzística. Y en una serie de poemas que surgen de temas de jazz, como “So what”, “Meditation for Moses”, “Lost” y “The procastinator”; construyen, al alimón, imágenes que deleitan lo mismo que estremecen. De “Memories of you”, una probadita:

y eres eso: la memoria de una mano
acariciando el lomo                        y eres eso: la memoria
entre dos cuerpos que se acercan al límite
de los espejos                  y eres eso: la dulce
memoria de los fuegos
                                                                              y el camino (p. 157).


Y cierran con Don’t eat the yellow snow, un diálogo con sabor epistolar donde Floriano y Manuel develan los orígenes y el proceso de conformación de este poemario; las delicias tras bambalinas de sus páginas. Un guiño al lector. Una concesión generosa, que pocas veces encontramos en los libros.  
La relación entre jazz y literatura no es cosa nueva. Ya desde sus orígenesGinsbergKerouac y la generación beat, en Estados Unidos; o Cortázar desde Latinoamérica, por ejemplo; han dejado amplio testimonio de los paralelos entre ambos. Para el autor de Rayuela, no podría encontrarse otro género musical con mayor similitud al surrealismo literario que el jazz: el ritmo y la inspiración como elementos presentes, tanto en la escritura automática como en la improvisación; el impulso total. Y, por su parte, los beats asimilaron al jazz como método literario y forma de vida, llegando a autopercibirse como«jazzistas de la literatura».
Como neófita en los saberes musicales, pero hedonista ávida y voraz escucha de jazz; además de lectora irredenta, no puedo más que celebrar, llena de un gozo indescriptible, que Martins e Iris coincidieran sobre el pentagrama de la vida. Que juntos decidieran publicar este libro que “a partir de la experiencia del jazz, refleja las posibilidades de la amistad, y el amor a la poesía.”
Celebro el Overnight Medley, como celebro una reunión entre amigos entrañables. Me encuentro entre sus páginas, como niña en tienda de dulces, llena de asombro y emoción. Y lo recorro despacio, para dejar que los poemas suenen, estremezcan y lo inunden todo. Sí, la vida es asunto sencillo: jazz y poemas ¿para qué buscar más?