Peço permissão, a princípio, para ler o
poema 35 de Lembrança de homens que não existiam:
Agora abrimos a escada, para que possamos
ir e vir.
Objetos e nomes saltam em todas as
direções.
Um livro rasteja por entre pernas alongadas
de móveis incertos.
Os adjetivos semeiam sua tempestade de
assombros.
Vozes não identificadas ensaiam um happening que se reescreve indefinidamente.
Muitos de nós nos encontramos em dois
tempos no mesmo sítio.
O livro-serpente vai deixando seus ovos por
onde passa.
São pequenos símbolos que ao romperem a
casca se convertem em dragões.
Os esconderijos são anfíbios e confundem
todas as espécies.
Aos poucos descobrimos que respiramos o ar
que produzimos.
A terra já nos extinguiu e ainda não demos
por conta.
As escadas cambaleiam, não sabem a quem
recorrer: aos que entram, aos que saem.
Eu perdi o meu nome em um desses conflitos.
E agora só me resta esperar que saibas
retornar ao ponto em que nos surpreendemos um com o outro.
A vida inesperada, de Floriano Martins é mais do que um
acaso. É um acontecimento eternizado de uma falsa instabilidade. Não, não
pensem que esta pedra, na capa do livro, mantém equilíbrio sobre o tronco da
árvore, apenas por ser uma foto. E foto é instantâneo, sem momento seguinte
aparente. Inesperadamente…
Por aqui jorram 24
anos de uma poética tensa, de abismos, abissal. É bom lembrar que aos abismos
não se permitem desistências se neles entramos. A não ser que a finalidade não
seja o Fim sem resistências.
A poética de Floriano Martins
carrega um celeiro de fantasmas (ou seria fantasias do que respiramos?). Os
três primeiros momentos da obra, Cinzas
do sol, Sábias areias e Tumultúmulos, já me prestaram dias e me
fizeram perder o ar, lá se vão 20 anos… Foi quando escrevi um ensaio intitulado Galeria
de Murmúrios, e ali dissera que "o herói redime-se no poeta e
mártir" e que aquele poeta, já maduro, mais responsabilidade teria com a
sua obra futura.
Foram palavras quase por dizer,
pois, realmente a poética de Floriano já se consolidara naquele tempo. Ei-lo, pois,
perpetuando sempre de modo diverso o seu desígnio: "o inferno todo passa
por aqui e se lastima do que vê". Mas também "o inferno é uma casa
repleta de hesitações".
Floriano apenas desvenda, feito
este perigoso poeta, como assim afirma Renata Sodré Costa Leite na quarta capa
da obra. Perigoso poeta. Ele desvenda a vida como a Alma em chamas, título de outro capítulo-obra.
Enfim, neste abismo que se nos
apresenta, poderemos aprender a voar e, quem sabe, nos depararmos com outra vida
inesperada!
Obrigado!
[Sabores Orgânicos, noite de 17 de
junho de 2015. Texto de apresentação do livro A vida inesperada.]
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